Suburbanadas
Por Alexandre Soares Silva
Num livro que li muito tempo atrás, suponho que de Aldous Huxley, existe a história de um parisiense real que viveu durante a época da Revolução Francesa. Ele tinha um diário no qual escrevia com freqüência, e em todas as centenas de páginas do diário ele nunca faz nenhuma menção à Revolução Francesa. Fala dos insetos do jardim dele, ou das estrelas (não lembro se era entomologista ou astrônomo), ou de ir ao açougue comprar carne. Esqueci o nome dele e em que livro ele aparece – mas é o meu herói.
Lembro também que perguntaram para Paulo Francis se ele estava sabendo do último escândalo – e ele suspirou pesadamente, o microfone fazendo aquele barulho que faz quando soprado diretamente, fruummmm, e resmungou: “não, qual foi a suburbanada agora?”. É sempre uma suburbanada – algo envolvendo uma pasta rosa, uma pochete, um anão, uma peruca.
A Revolução Francesa foi uma suburbanada, sim – a Grande Suburbanada da História, por definição. Hitler? Uma suburbanada. Ditadura militar, morte de Tancredo, tudo uma suburbanada. Mesmo esse furacão do qual vocês todos estão falando agora é uma suburbanada do vento.
Meu sonho, meu sonho mesmo, era encontrar alguém que tivesse sobrevivido a um furacão e não dissesse uma palavra sobre o furacão no diário. Voando pela sala, estendendo os braços para pegar o diário flutuante, o telhado subindo em espiral ao céu, ele escreveria: “Me sentindo meio deprimido hoje. Vou jogar pif-paf.”
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Detalhes do autor
Alexandre Soares Silva
Alexandre Soares Silva nasceu em 1968. Publicou três romances, A Coisa Não-Deus, Morte e Vida Celestina e A Alma da Festa, além de uma coletânea de ensaios, A Humanidade é uma Gorda Dançando em um Banquinho. Trabalha como roteirista e vive em São Paulo.
Sensacional, esse texto me dá uma paz porque percebi que o certo é deixar essas suburbanadas de lado mesmo.